Apresentação, Educação, Serviços, Equipe, Galeria de Fotos, Na mídia

terça-feira, 27 de abril de 2010

Só pra lembrar...

Aproveite pra conferir a vinheta gravada 
no campo da Herundina no Jd. Ibirapuera,
Com os atores: Marcio Lacerda (Brava Cia) e 
Sérgio Carozzi (Trupe Lona Preta).
Obrigado à eles e a todos que direta ou 
indiretamente estão colaborando com o Festival!
Inscrições para todo o Brasil até 31 de maio
selecionando vídeos de até 45 minutos 
que tenham relação com os temas: 
Futebol, samba e direitos humanos
Não deixe para última hora!

www.cinemadevarzea.com.br

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Blog do NCA indicado no Prêmio Top Blog 2010

Salve povo,
queria agradecer quem fez a indicação do nosso Blog no Prêmio Top Blog 2010,
valeu de verdade, Obrigado à todos que frequentam essa morada de comunicação popular!
Tamô Junto!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Não deixem para última hora!

www.cinemadevarzea.com.br

Inscrevam seus vídeos à várzea nos espera!

Textos sobre o NCA

Aqui o trabalho de duas pesquisadoras da USP onde o NCA é pautado.

Um é de Rose Satiko Doutora em Antropologia, chama-se "Cinema de Quebrada: antropologia, filme, encontro" e é base do documentário Cinema de Quebrada dirigido pela própria pesquisadora.
veja nesse link:
http://dl.dropbox.com/u/9396887/Artigo%20Rose%20Satiko.pdf

Veja aqui o Trailler do Filme:

___________________________

À baixo o artigo da pesquisadora Flávia Belletati, onde ela analisa especificamente o trabalho do NCA, levantando pontos interessantes sobre nossa produção e atuação política.

As produções audiovisuais de jovens da periferia e a auto-representação (2008)
Resumo 

Nesse artigo, discuto a necessidade de grupos independentes de jovens das periferias paulistanas de diferenciar-se quanto à produção de materiais fílmicos, com relação às produções da “Grande Mídia”. A partir de um discurso que intui o distanciamento dos moldes dominantes de representação, esses grupos acabam por reforçar uma relação “eles/nós”, inclusive com os antropólogos que os pesquisam, que seriam provenientes do “centro” – conceito aqui entendido como as camadas sociais com disponibilidade financeira e acesso a uma cultura acadêmica e elitista.Para abordar o tema, acompanhei o coletivo Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA), salientando o formato da apresentação e representação deste grupo de si próprio e de sua comunidade, assim como seu discurso, a sua articulação com outros grupos da periferia e a relação entre seus integrantes e os antropólogos envolvidos nesta pesquisa.


Recentemente, como constatado por Hikiji (2008), alguns jovens da periferia de São Paulo têm se organizado nas periferias metropolitanas para produzir arte e estabelecer comunicação com os diversos segmentos da sociedade. Estes jovens reúnem-se em coletivos que utilizam diversas linguagens e formas de expressão, como a música, o teatro, o audiovisual, entre outros. O coletivo independente Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA) é um desses grupos formados por jovens moradores da periferia, que decidiu produzir materiais audiovisuais e realizar projeções fílmicas em locais públicos, com o objetivo de aproximar as pessoas de suas comunidades à linguagem cinematográfica, além de garantir a circulação de suas próprias produções nos espaços em que isso faz mais sentido:

Nossa idéia era essa, exibir para quem era foco, pra quem se reconhece vendo aquela produção. Não que isso seja um empecilho de exibir em diversos outros espaços, no centro, porque eu não tenho nada de regionalista. Eu quero mais que a produção escoe mesmo e que as pessoas conheçam o que a gente está fazendo.[1]

Proponho-me pensar os filmes do coletivo NCA como meios de veicular auto-representações, não somente de si mesmos, como também da comunidade com a qual estabeleceram um sentimento de pertença.

Entrei em contato com o coletivo Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA) por meio da pesquisa de minha orientadora, a profª. Dra. Rose Satiko Gitirana Hikiji[2]. Ao longo de aproximadamente cinco anos, Rose acompanhou este e outros grupos de jovens artistas das periferias paulistas a fim de realizar o documentário “Cinema da Quebrada” (HIKIJI, 2008). Os dados contidos no presente artigo foram obtidos principalmente por meio da análise do material bruto dessas filmagens, além de partir do “blog” montado pelo coletivo e de algumas curtas experiências de observação participante, em que ocorreram conversas de caráter informal e momentos de sociabilidade no sentido de conversação simmeliana (1983)[3] com os membros do coletivo e com outras pessoas participantes do cenário artístico periférico.

Durante a realização do documentário Cinema de Quebrada e em minhas tentativas de incursão em campo, o caráter crítico desses jovens permaneceu latente. Apesar de meu contato ter sido facilitado pelo relacionamento já estabelecido há anos pela minha orientadora, fui questionada quanto aos meus objetivos na pesquisa e minhas motivações, o que ressaltou a desconfiança por parte do NCA com relação à produção acadêmica e à maneira escolhida por nós para representá-los. Essa preocupação ganha sentido se considerarmos o contexto de constituição desses coletivos.

Em meados dos anos 1990, os segmentos populares conseguiram, em seus locais de moradia, acesso aos meios de captação de imagens que baratearam devido ao grande avanço tecnológico, estimulando a produção fílmica nessas regiões (LEITE, 2007). Além disso, acentuou-se a possibilidade de criação de material audiovisual com a presença de ONGs, como a Kinoforum e a ONG Ação Educativa, que começaram a realizar oficinas de vídeos destinadas a esses segmentos populares, contribuindo para a ocorrência de um “boom de documentários”[4]. Esse boom ocorreu num momento em que o estado brasileiro, sob o governo de Collor, assumia um discurso explicitamente mais liberal que objetivava o alívio das funções do antigo estado-nacional desenvolvimentista, expulsando os aparelhos de estado de conflito político e distribuição de riqueza, passando muitas funções de assistência e de atendimento sociais para ONGs[5], fortalecendo-as (GUIMARÃES, 2005).

Esse “tipo de estado-mínimo” culmina no governo Lula, com a absorção por seu aparelho estatal de grande parte dos movimentos sociais “tornando mais fluida a comunicação entre estado e ONGs, ao tempo em que mantém a política econômica totalmente desvinculada do atendimento às demandas populares” (GUIMARÃES, 2005, p.5,6). Desse modo, as ONGs alcançaram certa autonomia e desvincularam o Estado das reivindicações dos movimentos sociais, assim propiciando uma descaracterização desses movimentos pela perda de parte de uma linguagem própria a fim de ajustar-se à ideologia nacional (ibid, p. 6).

Nessa conjuntura, podemos observar nos anos 2000 o surgimento de grupos independentes e, mais especificamente a partir de 2005, estendeu-se uma produção desses grupos formados em comunidades sem um apoio ou incentivo externo de ONGs (HIKIJI, 2008). Sabemos que muitos dos jovens que integram estes grupos participaram de oficinas de ONGs. No caso do coletivo Núcleo de Comunicação Alternativa (NCA), de cinco integrantes, três realizaram a oficina da Ação Educativa – sendo que um desses também participou da oficina Kinoforum –, e uma era funcionária de uma ONG da Zona Sul, a Fundação Julita. Apesar disso, os integrantes do NCA criticam as ONGs pela falta de estrutura para fornecer continuidade à formação das oficinas dentro das comunidades periféricas.

Embora busque apoio financeiro ou uma parceria na produção de eventos, esse coletivo funcionaria sob a égide de produção feita “na periferia, para a periferia e para o mundo”, buscando receber o crédito integral de suas próprias produções e utilizando a mídia “em suas diversas possibilidades”[6]. Assim, o NCA promoveria um conjunto de atividades de difusão cultural nas comunidades periféricas, mantendo um discurso de democratização do audiovisual – muito influenciado pelas próprias ONGs –, porém reivindicando a iniciativa dentre os próprios moradores de periferia.

Daniel FagundeS[7] discute a idéia de democratização do audiovisual e o defende como uma possibilidade de se expressar e de se auto-representar. De acordo com Daniel, as pessoas sentem necessidade de demonstrar os “seus olhares”, da maneira mais apropriada. Assim, o coletivo não só pretenderia se comunicar, como também permitir que comunidades e pessoas ditas sem voz em nossa sociedade compreendam e utilizem os meios de comunicação mais expressivos da atualidade, no caso, a linguagem fílmica, permitindo suas manifestações, além de contribuir para o desenvolvimento de uma atitude auto-reflexiva quanto a suas próprias opiniões. Este caráter torna-se explícito em algumas iniciativas do grupo, como a realização de oficinas de vídeo na comunidade e a montagem de um acervo chamado Videoteca Popular, que oferece empréstimos gratuitos de filmes. Desse modo, como me foi sugerido por outro integrante do grupo em uma conversa informal em julho de 2008, esses jovens buscariam mudar, se não a sociedade como um todo, ao menos o cotidiano imediato das pessoas, levando-as a questionar as representações dominantes e a forma como estas são comunicadas ao invés de simplesmente assimilá-las. Para poder se diferenciar os discursos do NCA e das ONGs é necessário relevar a posição relativa destes com relação à periferia, o que torna necessário retomar a discussão sobre a marginalidade dentro do contexto latino-americano.

De acordo com Maiolino e Mancebo (2005) Durante a década de 1970, o conceito de marginalidade foi inicialmente utilizado para referir-se aos problemas surgidos com a urbanização ocorrida na América Latina após a Segunda Guerra Mundial na América Latina, em que núcleos populacionais com baixo capital material e cultural estabeleceram-se precariamente na periferia do corpo urbano tradicional. Dentro deste contexto, uma perspectiva muito forte foi a estrutural-funcionalista que estabelece “uma visão dualista da sociedade que oporia ao setor desenvolvido da sociedade um outro, marginal e não funcional, mas metabolizável, mediante a adoção de políticas específicas” (MAIOLINO E MANCEBO, 2005, p. 15). Outra perspectiva hegemônica durante esse período corresponde à corrente estruturalista histórica, em que a pobreza é percebida como intrínseca ao modo de produção capitalista, ou seja, haveria uma integração, porém de esta ocorreria de modo conflituoso e descontínuo. Na década de 1980, com a transição democrática, a marginalidade passou a ser identificada com uma “cidadania limitada”, destacando-se o aspecto da localidade em que a “favela” é caracterizada como um “lugar identitário” (SANTOS, 1987, apud MAIOLINO E MANCEBO, 2005).

A partir do contexto de globalização, na década de 1990, as questões de marginalidade dão lugar às noções de segregação e de exclusão social. As de segregação, desigualdade e discriminação implicam que os grupos os quais sofreriam tais características seriam minoritários, porém participariam da mesma sociedade. As de exclusão, porém, supõem a não participação da existência marginal na sociedade e, além disso, contrariando a explicação estrutural-funcionalista, essas populações marginais consistiriam em fragmentações cada vez maiores que não podem ser assimiladas à sociedade, justificando um Estado Mínimo que “admite as desigualdades como responsabilidade do próprio cidadão e considera o diferente como inútil economicamente” (MAIOLINO E MANCEBO, p. 17), discurso esse que promove, como já afirmado, a desvinculação do Estado das reivindicações dos movimentos sociais.

Os integrantes do NCA pensam o ambiente da periferia como um “mundo” inteiramente constituído, cujas referências são a localidade, a etnia, a linguagem, a classe sócio-econômica etc. A periferia possuiria características bem específicas, apesar da fluidez, como habitantes negros e pardos, uma linguagem bem particular repleta de gírias etc, em que cada bairro periférico possuiria seu “centro” dentro de seus limites, como afirmou Daniel: “o centro da Piraporinha é a praça de Piraporinha”[8]. Essa perspectiva contrariaria a explicação estrutural-funcionalista da década de 1970, na qual a sociedade brasileira seria identificada com as classes médias e altas para as quais a existência marginal deveria ser absorvida. A circunstância de “ser margem” ou “ser periférico” é incorporada como parte do discurso e marca a escolha de uma identidade digna de se ter orgulho, desde que tomando o cuidado para não legitimar “injustiças sociais”. Aqui, ser “da” periferia difere de simplesmente morar nela, pois envolve um sentimento de pertencimento e de identidade.

As ONGs, por sua vez, seriam representantes da classe média e alta e partem da idéia de segregação, buscando adentrar e transformar a periferia. Dentro desse contexto, tanto a ONG Kinoforum, cujo discurso manifesta a importância da “democratização” do audiovisual, quanto a ONG Ação Educativa, cujos objetivos apontados são os de “promover os direitos educativos e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil”[9], assumem uma posição de ampliar direitos, mas mantendo o status de uma classe média, que auxilia a periferia na ausência do Estado. Desse modo, apesar de estarem em constante contato com a periferia e dedicarem-se a ela, não podem jamais ser vistos como parte integrante dela e assim, na visão do NCA, apesar de muitas ONGs estimularem uma demanda social da periferia – o poder expressar-se –, elas não o fazem completamente, pois não permitem a total apropriação das pessoas da periferia de sua própria produção.

O que o coletivo reivindica é a possibilidade da própria “periferia” ter iniciativa quanto à sua representação, assim como receber o crédito total por ela. Assim, deduz-se que as pessoas da periferia, consideradas pelo senso comum como pacientes quanto à constituição da própria representação, passariam a ser agentes, comunicando o que entendessem ser necessário comunicar aos outros por meio do audiovisual. Nesse sentido, o coletivo NCA busca criar as bases de um novo imaginário[10] da periferia, desenvolvido por ela própria e que se opõe à visão produzida pela “Grande Mídia”. Uma poesia feita por Daniel FagundeS e postada no blog do coletivo (www.ncanarede.blogspot.com) esclarece bem esta questão (grifos meus):

Manifesto da Imagem Quebrada

Sou um olho em processo de desintoxicação,
um olhar angustiado, mesclado entre a revolta e a sensibilidade.
Sou a negação ao poder privado da comunicação,
sou a necessidade de independência da voz, do ver, 
narrador do quilombo moderno.
sou quem toma de assalto a teoria 
e quem experimenta na prática a potencialidade do real e do imaginário.
Exploro a linguagem, acadêmica, a gíria.
Regurgito no espaço público minha pluralidade, minha mestiçagem,
com mil caras, mil jeitos, mil anseios.
Arquiteto da nova história, imagética e ainda oral, 
sigo observando de dentro a realidade que é minha e de meus irmãos. 
Sou viela, escadão, ciranda, morro, busão lotado, cachorro sarnento, gente sorrindo, boca de lobo, boca de fumo, esgoto à céu aberto, comunhão, palavrinha e palavrão, balaio de sensações. 
Sou o ser das quebradas que porta tal olhar 
e que transfere através de um suporte barato de registro 
sua percepção de mundo.
Sou o individuo periférico no planetário coletivo esférico do lugar, 
com uma câmera na cabeça e uma idéia nas mãos...

Esse processo de desintoxicação afirmado no primeiro verso remete à idéia de formação do olhar, ou seja, de um olhar crítico, discurso promovido por ONGs que atuam com o audiovisual. Em 2002, esse discurso recebeu projeção com a ONG Kinoforum, que promove dentro do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo a sessão Kinoforum Formação do Olhar. Nesta sessão, são exibidos curtas criados em oficinas de vídeo, como as promovidas pela Kinoforum, cujo público-alvo seria jovens membros de comunidades periféricas[11].

Na poesia a idéia de desintoxicação ultrapassa a de “formação do olhar”, renegando um olhar acostumado a simplesmente aceitar a “Grande Mídia” e, portanto, “viciado”. Esse olhar romperia a passividade e questionaria seus próprios meios de existência, reclamaria a capacidade que o próprio Eu-lírico possuiria de manifestar sentimentos e idéias, de auto-refletir e de modificar-se, dentro do próprio cotidiano e ambiente desse sujeito pensante. Ou seja, o processo é auto-aplicado e tem o objetivo de fugir da perspectiva dominante que intoxicaria os olhares. O ponto de partida e o ponto de chegada é a periferia, distanciando-se das ONGs.

Nos versos 13 e 14 torna-se perceptível o fato do Eu-lírico ser o indivíduo que vive na periferia. Sua identidade se torna seu cotidiano, um dia-a-dia que não só reúne os pontos negativos de se viver na periferia, como igualmente inclui os positivos, cujo objetivo é criticar os filmes brasileiros de grande circulação que seguiriam uma “cosmética da fome” ao tratar dos aspectos da violência e da carência da periferia como forma de entretenimento e não de reflexão. Tal seria o caso, de acordo com Bentes (2001), do filme “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles.

O olhar do Eu-lírico torna-se coletivo e é sugerido como específico de quem vive nesse ambiente, sugerindo existir na periferia uma concepção única de mundo, ou muito similar. Essa percepção uniria toda a comunidade ao redor de uma idéia de um “poder falar” e “poder ser ouvido”. Assim, a partir da poesia é possível refletir acerca dos objetivos do NCA. O poder de representação não estaria relegado somente ao centro. As comunidades de “antes da ponte”[12]estariam lutando por um espaço.

Esta perspectiva do NCA permite uma aproximação com o conceito de kultur herderiano, tal como é defendido por Sahlins (1997) em O Pessimismo Sentimental, no qual esta se configuraria como “a antítese de um projeto colonialista de estabilização, uma vez que os povos a utilizam não apenas para marcar sua identidade, como para retomar o controle do próprio destino” (grifos meus). Nesse sentido, a periferia seria dotada de uma cultura própria e o projeto colonialista assume, aqui, uma perspectiva particular. Em 19 de julho de 2007, numa sessão de vídeo no Cedeca, promovida pelo NCA e filmada por Rose Satiko, Daniel falou acerca da comunidade periférica: “A gente tem muito acesso à Globo, SBT, esses canais de grande acesso. E o que eles passam é uma visão que está aí há muitos anos. Uma visão hegemônica de uma elite que na verdade quer que a gente continue cada vez mais pobre e no mesmo lugar”. Saliento que a identidade com a periferia ultrapassa o simplesmente morar nela (a localidade), há uma série de características econômicas, sociais, culturais e até mesmo étnicas.

O verso final da poesia “com uma câmera na cabeça e uma idéia nas mãos” nos remete a própria produção audiovisual do coletivo, além do diálogo com Glauber Rocha quando este diretor enunciou a máxima “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. Tendo em vista o caráter contestatório e identitário (com relação ao caráter brasileiro) do Cinema Novo com relação ao cinema estrangeiro dominante, pode-se entender que a poesia alude à tentativa de se desprender de uma massificação promovida pela “Grande Mídia” brasileira, que é hegemônica e que induz à reprodução, implicando a iniciativa na criação de materiais audiovisuais alternativos.

De acordo com Castells (1999), o mundo vive uma revolução tecnológica de proporções globais, a qual é caracterizada pela facilidade de acesso à tecnologia e pela aplicação do conhecimento na inovação e uso de meios tecnológicos de comunicação. Para o autor, esses meios eram primeiramente inovados por intermédio de seu uso e, atualmente, ingressamos num estágio de apreender e contribuir para o progresso da inovação tecnológica pela própria confecção desta, como se percebe na Internet com a construção de blogs, etc. Seguindo esse raciocínio, podemos compreender essa apropriação dos meios de captação de audiovisual pela periferia como uma continuidade desta revolução tecnológica.

Torna-se clara a noção da sociedade como partes diferenciadas que se comunicam e criam associações e redes de relações tensas. Multiplicam-se os discursos, no caso o da “periferia” enquanto considerada um “todo” se disponibilizaria a partir destes jovens que se organizam e produzem material audiovisual que são usados como estratégias de disputa com os demais segmentos da sociedade.

Justamente por esta produção audiovisual do NCA se tornar uma marca de identidade, não buscando servir como um mero produto “vendável”, sua diferenciação com relação às demais produções fílmicas torna-se indispensável. Essa diferenciação estética, que de acordo com Daniel[13], que se iniciara de forma muito intuitiva, transformou-se num padrão. Para conseguir se distanciar da Grande Mídia, o grupo afirma ser necessário inovar quanto às formas de interpretar, de registrar e de montar, como sugerido no texto intitulado “A auto-representação da personagem”, postado no dia 20 de maio de 2008 (blog: www.ncanarede.blogspot.com), ou seja, a criatividade é valorizada tanto na forma quanto no conteúdo.

(…) como robôs de uma enorme e produtiva máquina seguimos reproduzindo os valores de quem pode contar a história, seguimos repetindo como papagaios uma ladainha que não sabemos ao certo o que quer dizer ou se sabemos empregamos numa realidade não compatível, é quando o oprimido assume o discurso do opressor e passa a viver na eterna esperança da ascensão que de tão abaixo dos pés mais lembra um precipício. Nessa lógica se constroem e se mantém os mais antigos preconceitos da humanidade, o da mulher dona de casa, o do negro sem alma, o do pobre trabalhador, o do jovem vagabundo, do homossexual pervertido, etc. (…) Mas a essência do homem persiste e como gramíneas que emergem do concreto, inovações teimosas surgem de tempos em tempos dos undergrounds da sociedade e mesmo sendo por muitas vezes usurpada e esgotada pela mídia constituem uma saída louvável para falta de criatividade. (A auto-representação da personagem no blog www.ncanarede.blogspot.com, 2008).

A crítica e a atividade destes jovens no ambiente periférico praticamente obrigam a indagação com relação à observação etnográfica – questionada quanto ao fazer ou não parte da perspectiva hegemônica de mundo, como a propagada pela Grande Mídia. Nessa relação, o sujeito e o etnógrafo são afetados pelo convívio e a produção audiovisual, tanto pela reflexão de seus respectivos discursos quanto na disputa pela conceituação na sociedade, como bem notou Hikiji (2008), ao afirmar a preocupação com relação à diferenciação na forma e linguagens utilizadas em suas produções audiovisuais.

A questão da forma evidencia-se já na escolha do vídeo como material para a manifestação que, como informa Daniel, é relacionada à multiplicidade de linguagens artísticas que o audiovisual permite:

Eu sempre gostei muito de muita coisa relacionada à arte, nunca uma coisa muito específica – só o cinema, só a música, só a pintura – (...) é um pouco do que eu sou, do que eu procuro fazer. E o vídeo me dá essa possibilidade de poder trabalhar com todas essas coisas[14].

Além disso, é notável a aceitação do vídeo enquanto meio de comunicação pelas mais diversas camadas sociais e pessoas, funcionando como ferramenta eficaz de transmissão e difusão de idéias.

O conteúdo de suas produções é muito discutido, tendo em vista parte do pensamento do coletivo que seria, nas palavras de um de seus integrantes, "produzir na comunidade, mas com um pensamento mais político, social". Em entrevista à Hikiji, Daniel completa:

(…) hoje em dia os jovens que começam a iniciar com cinema, eles tem muita técnica, fazem fotografias maravilhosas porque vivem nessa sociedade imagética, mas ao mesmo tempo não conseguem contar uma história simples porque essa questão do conteúdo não foi aflorada. A gente se preocupa tanto com a imagem, com a estética, com a forma e esquece do que a gente está falando, do que a gente quer com aquele produto, pra que está sendo feito, qual o objetivo, o que aquilo acarreta.

De acordo com o NCA, justamente porque a produção intui “falar algo”, ou seja, como não é voltada para o sustento próprio, ela permite inovações que podem muito bem não ser aceitas por um público comercial, conectando o conteúdo dos filmes diretamente a sua forma. É comum nos vídeos do NCA, por exemplo, a linguagem experimental. Dentre muitos filmes, pode-se se citar o curta-metragem “Nhanhonhama Paulista”, feito num workshop oficina do Itaú Cultural. A trilha sonora é uma voz masculina, onomatopéica, a imagem, pés caminhando – um tênis da marca All Star – para depois mirar-se a Avenida Paulista sob uma voz que entoa repetidas vezes “andando, carros, placas, pessoas, ruas, fios, paulista…” enfim, uma descrição do espaço urbano, e do cotidiano[15]. Há um roteiro a ser seguido e ações previstas, porém mostra-se um mundo que não é encenado – a Avenida Paulista – e uma personagem que não foi construída a partir de uma ficção propriamente dita, não há interesse em inventar sensações e uma história de vida à personagem, portanto considero-o como um documentário. Pode-se inferir que o curta assemelha-se ao modo de documentário performático por possuir um “tom autobiográfico”, similar à forma de diário do modo participativo, porém enfatizando as características subjetivas da experiência e da memória, que se afastam do relato objetivo (NICHOLS, 2008). Além disso, sua linguagem descritiva e a forte ênfase às associações visuais aproximam-no do modo poético, tal como descrito por Nichols (2008) e, conseqüentemente, do cinema pessoal e experimental. De acordo com Hikiji (2008), esses resquícios do cinema em primeira pessoa demonstram um “movimento de extensão do eu-realizador em direção ao mundo”, ou seja, o movimento de se encontrar com outrem, ultrapassando a auto-representação (HIKIJI, 2008, p. 17).

Percebe-se que não é somente a etnografia que assume uma metáfora do corpo como estratégia narrativa, mas o próprio nativo, a partir do momento em que empunha uma câmera em seu ombro também reconfigura a maneira de se apresentar e representar, estabelecendo-se “na condição de um sujeito produtor de um discurso de si próprio” (GONÇALVES e HEAD, 2009), paralelamente a sua representação – enquanto margem – feita pela mídia. O coletivo busca o diálogo, mas apesar de discutir com a mídia, esta não responde. Não há somente uma interlocução, mas ainda não há o diálogo entre as múltiplas representações e as auto-representações. Em outras palavras, há o encontro e a troca dessas representações locais com relação às representações dominantes, mas na maior parte das vezes esta ocorre de modo unilateral. O segmento hegemônico que busca a troca e a auto-superação de suas representações é justamente o acadêmico.

As trocas podem ser unilaterais com relação à Grande Mídia, mas, além do diálogo com a antropologia, os integrantes do NCA interagem com jovens de outros coletivos independentes da periferia. Isto ocorre porque essas pessoas, freqüentam os mesmos espaços periféricos de promoção da cultura e inclui não somente aqueles produtores de audiovisual como também bandas musicais, grupos teatrais, enfim, pessoas em geral interessadas na criação e difusão do que eles chamam de “cultura da periferia, para a periferia”. Desse modo, a partir do encontro entre pessoas, há o encontro de múltiplas linguagens artísticas, que, por partilharem de uma mesma identidade, a identidade periférica, possibilita uma troca de formas de expressão. Permite também a troca de memórias, de formas de pensar e a troca de afetos, constituindo-se em verdadeiras redes de amigos. Os laços fortalecidos pela amizade entre as pessoas possibilitam a articulação em grupos, aumentando a expressão da atividade de cada um e facilitando a difusão de suas idéias em suas respectivas comunidades. Esses fatores contribuíram para uma identificação maior

Pode-se concluir, assim, que a questão não se limita à disputa da constituição da representação, mas é um ato de esperança e indignação, do encontro e troca de novas formas de olhar seu próprio cotidiano e se expressar, de mudar e criar perspectiva. O NCA procura transformar as infâncias e motivar os adultos, dar a voz aos silenciados e exterminar um monopólio de produção que segue um molde de consumismo e alienação, mesmo tendo consciência de suas limitações. Ademais, é a tentativa de fazer arte, ou melhor, de fazer as mais diversas artes pelo simples prazer de poder fazer, de se expressar, se compartilhar, refletir e assim mudar a visão da periferia sobre si mesma a fim de buscar melhorias sociais.

Bibliografia

BENTES, Ivana. Da Estética à Cosmética da Fome. Jornal do Brasil/Caderno B, Rio de Janeiro, p. 1 - 4, 08 jul. 2001.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Prisão in Vigiar e Punir. Petrópolis, Vozes, 9 ed.,1991.

GONÇALVES, Marco A. (Org.); HEAD, S. C. (Org.). Devires Imagéticos: o outro e suas imagens. Rio de Janeiro: Faperj, 7 letras, 2009.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Contexto histórico-ideológico do desenvolvimento das ações afirmativas no Brasil. Comunicação ao Seminário Internacional “Ações Afirmativas nas políticas educacionais brasileiras: o contexto pós-Durban” organizado pelo Ministério da Educação e a Câmara Federal, Brasília, 2005.

HIKIJI, Rose S. G. Imagens que afetam – filmes da quebrada e o filme da antropóloga. In: 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia 2008, 2008, Porto Seguro. CD da 25ª. Reunião Brasileira de Antropologia 2008. Porto Seguro: ABA, 2008.

LEITE, Márcia P. Na tela o povo e a nação: classes populares e periferias em imagens. In: Bianca Freire-Medeiros; Maria Helena Costa. (Org.). Freire-Medeiros, Bianca e Costa, Maria Helena (org.). Imagens Marginais. Natal, EDUFRN: Editora da UFRN, 2006, p. 39-56.

MAIOLINO, A.L.; MANCEBO, D. Análise histórica da desigualdade: marginalidade, segregação e exclusão.Psicologia & Sociedade; 17 (2): 14-20; mai/ago.2005

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 3. Ed.Campinas : Papirus, 2008

SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: porque a cultura não é um “objeto” em via de extinçãoMana, vol. 3, nº1, 1997.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. Ed. Nobel,São Paulo, 1987.

SIMMEL, G. Sociabilidade - um exemplo de sociologia pura ou formal. (: 165-181). In: George Simmel: Sociologia. Coleção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1983.

Filmografia

HIKIJI, Rose S. G. Cinema da Quebrada. 47’. Cor, vídeo. LISA, 2008.

SOARES, Diogo F. F.; Núcleo de Comunicação Alternativa. Nhanhonhama Paulista. 3’51’’. Workshop Oficina de Audiovisual Experimental no Itaú Cultural, 2007.

FAGUNDES, Daniel; Núcleo de Comunicação Alternativa e Cia SanSacroma. Imagens de uma vida simples. 38’. Cor, vídeo. 2007.

MEIO ELETRÔNICO

Sítio eletrônico do Orkut (Comunidade: “NCA”). Disponível em 

Sítio eletrônico do NCA na Rede (blog). Disponível em 
www.ncanarede.blogspot.com . Acesso em julho de 2008.

Sítio eletrônico da ONG Kinoforum. Disponível em 
www.kinoforum.org/ . Acesso em julho de 2008.

Sítio eletrônico da ONG Ação Educativa. Disponível em 
www.acaoeducativa.org.br . Acessado em julho de 2008.

[1] Daniel Fagundes, membro do NCA, em entrevista concedida a Rose Satiko G. Hikiji, na Videoteca Popular do NCA, em 19 de julho de 2007.

[2] Professora do Departamento de Antropologia da USP, membro do Grupo de Antropologia Visual da USP (GRAVI) e do Núcleo de Antropologia, Performance e Drama da USP (NAPEDRA).

[3] Segundo Simmel, a sociabilidade “é a forma lúdica da interação social”. Para o autor, a conversação é um tipo de socialização que se caracteriza por um encontro sem programação prévia, sem propósitos definidos. Nesta ocasião é possível encontrarmos sociabilidade em sua mais pura forma, pois ocorre de maneira, de certo modo, desinteressada, com fins em si mesma.

[4] Para os membros do coletivo NCA, este boom se caracterizaria como o segundo grande circuito de produção audiovisual popular, tendo o primeiro ocorrido na década de 1980 com a Associação Brasileira de Vídeos Populares (ABVP).

[5] De acordo com Guimarães (2005), essa delegação de funções do aparelho estatal para as ONGs ocorreu principalmente na forma de parcerias e igualmente envolveu empresas privadas.

[6] Conforme o grupo se apresenta no orkut: www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=16477992.

[7] em entrevista à Hikiji em 19 de julho de 2007

[8] Debate ocorrido com o NCA em abril de 2009, após a exibição de seu filme Videolência em uma aula de Antropologia I na Universidade de São Paulo.

[9] www.acaoeducativa.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=section&id=2&Itemid=73 acessado em 2 de maio de 2009.

[10] A palavra é utilizada pelo NCA, no sentido de ideário coletivo.

[11] Como exposto no site www.kinoforum.org/, essas oficinas oferecidas pela ONG Kinoforum objetivariam a democratização do audiovisual, a compreensão da linguagem cinematográfica e a divulgação de produções brasileiras e latino-americanas.

[12] Termo que designa o difícil acesso à cultura e à informação nas regiões periféricas onde moram, como muito mencionado no filme “Cinema de Quebrada” (HIKIJI, 2008). Pode ser entendido, também, como uma referência geográfica – no caso da zona sul paulistana – à ponte João Dias, que separa um centro mais enriquecido das zonas mais carentes da periferia de São Paulo.

[13] Em debate no CINUSP no dia 5 de novembro de 2008, após a exibição do filme “Cinema de Quebrada”.

[14] Em entrevista com Hikiji no dia 19 de julho de 2007.

[15] O curta “Nhanhonhama Paulista” pode ser assistida, na internet, no site YouTube (endereço:br.youtube.com/watch?v=foJKmdJ4iH0).

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Work shop NCA no Santo Amaro em Rede - Sacolão das Artes


É só chegá povo, uma experiência de intervenção com vídeo no parque Santo Antônio.
15hs no Sacolão das Artes,

abraço