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domingo, 19 de setembro de 2010

5x mais do mesmo!

Seria engraçado se não fosse triste! Seria triste se não fosse caricato...














"5x favela: Agora por nós mesmos" veio comprovar as espectativas mais pessimistas trazendo uma mistura novelesca de humor, problemática social e julgamentos de valor. Tudo mostrado de forma tosca, rasa... Pra exemplificar digo que me senti vendo um episódio da série da globo Cidade dos homens, com pitadas de Cidade de Deus e Tropa de Elite. Não é um filme ruim, é um filme muito ruim, apesar de elucidador. Já que nele se revelam nossas velhas feridas aparentimente incicatrizáveis. Mais uma vez a favela preferiu caricaturar suas mazelas ao invés de discuti-las do ponto de vista político. E o mais ridículo é querer contrapor essa releitura a bela obra de Leon Hirzman em 1962. O pobre coitado jornalista da folha Plinio Fraga, integra o time dos embasbacados com algo que supostamente não se sabe. Disse assim em sua matéria em 25/08 na ilustrada: "Contraposta a 5 x Favela de 1962, obra do catequizador Centro Popular de Cultura, a versão 2010 pode ser enquadrada como revisão crítica do ideário esquerdista de usar a arte para conscientizar as massas. O papo agora é colocar as massas para conscientizar as artes". Esse comentário mereceria um texto à parte, mas vou apenas ressaltar alguns pontos. Primeiro uma pergunta: -O que será essa tal massa defendida por Plínio? Seria a parcela da população que condicionada a horas exaustivas de trabalho se anestesia em frente à Tv? Ou a enorme parcela da população entre ricos e pobres detentores de um péssimo nível de informação e por isso reféns da indústria cultural? Considerando que é essa massa que Plinio esteja falando queria fazer outra pergunta: -Como essa massa politizará a arte querido jornalista? Outra coisa ainda é, considero errôneo também esse ideário esquerdista de conscientizar a massa. até por que dizer que conscientizaremos o outro dá a idéia de que o outro é destituíto de consciência. Mas acredito que temos uma população bem ignorante, adjetivo que vem de ignorar, ou seja aquele que ignora que sabe, categoria no qual me enquadro também em alguns aspectos, mas o fato é que precisamos nos educar. Nos dedicarmos a aprender no processo de troca e na auto crítica. É esse exercício que tentarei fazer aqui.
Enfim, vamos falar do filme. À começar pelo sub-título ..."agora por nós mesmos", que piada sem graça não?. Acho que ficaria melhor assim: "agora tutelados pela indústria audiovisual brasileira". Sim, tutelados. Já que todos episódios expões um ator globalzinho que veio de alguma comunidade aproveitando a onda do Cidade de Deus, De Passagem entre outros... Me parece que era expectativa demais de minha parte esperar que tivéssemos só atores desconhecidos que integram a enorme gama de bons artistas oriundos de favelas. Pois é, mas se não tiver o carimbo de grandes produtores como Cacá Diegues, somado aos rostos já conhecidos na televisão, não teriamos como assisti-lo em grandes salas do circuito comercial. Afinal gente comum não tem graça nenhuma não é mesmo?! E não dá grana para os barões do mercado cinematográfico. Me perdoem os camaradas ai das quebradas do Rio que fizeram parte desse projeto, mas eu entendo "por nós mesmos" uma outra coisa. Tipo reformular os modelos de produção, repensar os de distribuição e mais ainda com quem se faz parceria, quem assina sua obra, quem fica com a grana alta ganha dos rendimentos do filme.
Desculpem se estou sendo radical demais, mas estou cansado de ver gente falando das desgraças da favela sem problematizar as questões por uma perspectiva política que busca mobilizar o espectador para uma transformação da realidade. Nada do que o filme demonstra é algo que não aconteça ou que pelo menos não venha à acontecer, mas até quando vamos ficar celebrando nossa miséria, como quem celebra um gol aos 45 do segundo tempo em final de copa do mundo? Porra, temos que parar de achar chato pensar! Para parar de legitimar comentários cretinos como esse do jornalista da folha, que coloca o povo contra o próprio povo, como se pensar a desigualdade social fosse coisa de intelectual. Não! O 5x Favela de 62, apesar de ter sido feito por acadêmicos e por pessoas engajadas em movimentos populares. Trazia muito mais forte a necessidade de mobilização da classe trabalhadora. Talvez pelo contexto da época, mas não pior por isso. Muito diferente do 5x Favela de 2010. Que romantiza a pobreza e tenta humanizar as representações de poder.
No primeiro episódio por exemplo, de nome "Fonte de renda" vemos o protagonista Maycon que acaba de passar em uma universidade pública, passar por inumeros perrengues para continuar à estudar direito, coisas bem comuns à moradores de quebrada como eu que tentam fazer faculdade e mesmo sem pagar mensalidade se fodem com material didático e dinheiro para condução. Mas isso é o comum, o diferencial é que pelo fato de o tal Maycon ser morador de quebrada os "colegas" classe média alta da faculdade começam a procura-lo para descolar umas drogas. De primeira o protagonista nega, mas depois insitado pelas necessidades acaba pagando de aviãozinho. No final ele quase mata o irmão menor que pega uma capsula de cocaína e engole, indo parar no hospital e gerando um grande desapontamento na familia. Contudo ele se forma e acaba bem. Poderiamos achar bom né? Pelo menos ele não morre no final, mas seria uma análise muito frágil do contexto. Eu fiquei pensando mesmo foi se justifica vender droga para continuar estudando? Se o Maycon aceitou fazer isso para concluir os estudos, imagina o que ele não faria depois como advogado formado? O engraçado é que o filme tenta passar que aquela era a única saída para o cara poder continuar estudando. Rídiculo né? Acho que ele nunca ouviu falar de quem cata lata pra sobreviver, mas não se expõe a esse tipo de conluio. Minha companheira por exemplo. só terminou os estudos por que fazia e vendia velas artesanais, aguns vendem livros, outros fazem malabares na rua, etc. Que saída fácil hein Maycon? Pois é... vamos para o segundo episódio "Arroz com feijão".
Talvez o menos pior se não fosse por uma cena extremamente forçada onde um grupo de crianças de classe média assaltam os dois protagonistas também crianças, mas moradores de favela, para roubar 5R$ de cada. Sei que existe uma necessidade latente de inverter os papeis de mocinho e bandido históricamente solidificados pelo cinema, mas soou até piegas nesse caso. Ainda mais se tratando de crianças, que pelo amor de deus, não nasceram escolhendo a classe social e nem são ruins por natureza como ficou parecendo. Ninguém evidencia que tanto as crianças da favela como as da classe média alta são vitimadas pelo sistema como ele é, ao invés disso alimenta-se o ódio de classe, como se inverter a sociedade nos traria algum beneficio.
O terceiro Episódio "Concerto para violino" é na minha opinião o pior da série. Uma releitura capenga do Tropa de elite, mas tão fascista quanto. O tema é a guerra do tráfico. Roubo de armamento militar, parcerias PM/tráfico e uma história de amor pra dramatizar o contexto. O mais interessante é saber que moradores das referidas favelas é que construíram o roteiro. Roteiro esse que humaniza o policial em contraponto a crueldade do traficante. O que prova o quanto filmes como Tropa de Elite estão no inconsciente do povo. E por falar em inconsciente no quarto episódio "Deixa voar" o que é discutido são os limites territoriais alimentados por rinchas entre favelas vizinhas. Para ilustrar a reflexão em torno desse episódio usarei uma sitação do próprio diretor "Cadu Barcelos" numa matéria publicada na revista de vídeo popular de agosto deste ano, em que o mesmo diz: -Acho que a barreira é muito mais da cabeça das pessoas. Porque o tráfico, por mais que seja uma lei paralela, contra o estado, há uma lei maior, que é o morador, o cara trabalha, ele não faz nada demais, o cara quer ir de cá para lá, daqui para lá, o direito de ir e vir é vigente dentro de uma favela. Está muito na cabeça das pessoas essa lei imaginária. Tem até uma feira, eu fiz um curta sobre a Feira da Teixeira. Meu deus meu amigo, por que não foi a feira então o tema do seu curta? Pra que alimentar essas rinchas se elas já nem fazem mais sentido? Me questiono sobre a interferencia dos produtores sobre as temáticas abordadas, mas enfim, bora falar do quinto e último episódio e fechá essa prosa.
O nome é "Acende a Luz" e narra o conflito entre moradores da favela e os trabalhadores da Cia de energia EletroRio, Os moradores na véspera de natal ficam sem luz, e começa o rebuliço. O foco principal é o vendedor de gelo que começa a ficar irritado pelos prejuízos na venda de seu produto. Somado à isso os moradores se articulam para apavorar o trabalhador da EletroRio cobrando que o mesmo conserte o problema, pois do contrário não poderá sair da favela. Uma comédia que dá vontade de chorar vai se construindo. Os moradores em torno da escada impedem que o homem da Cia possa descer e começam a fazer ameças diversas enquanto o homem acuado tenta dizer que não depende dele, pois precisa de uma peça que não possui ali. Eles obrigam o homem a ficar lá até o início da noite quando o homem sem saber o que fazer diz que vai fazer uma gambiarra e consegue concertar só um trecho da iluminação. Aí então é tido como herói e desce da escada sendo seduzido por uma bela mulata. Aí já viu vira uma enorme festa e acaba o filme. Em nenhum momento se ouve alguém dizer: -Que merda de EletroRio do caralho, que não desenvolve um projeto de rede elétrica descente! Que governo de bosta, nada... Pelo contrário, jogam a responsabilidade para o indivíduo, um trabalhador como todos ali. Uma comédia pastelão que mais parece cena da novela das 19hs. Em suma um filme muito complicado!
Você que lê este texto deve estar se perguntando: Nossa Daniel, não tem nada de bom? Pois é não consegui achar nenhum ponto positivo... Me dou o direito à essa opinião. Já que nem o formato, a linguagem, a estética propôs inovações, ou seja, nada que o Fernando Meirelles não faria. E isso não é o que entendo por trabalho qualificado construído pelo povo morador de favelas no Brasil. E infelismente sei que é essa imagem que vai pra fora como produto de exportação da nossa realidade. Aqui mesmo no país eu já imagino que fará muito sucesso nos cinemas e demais espaços de exibição, pois ainda somos muito dependentes dessa representatividade forçada, dessa cosmética da fome. Mas eu tenho outros propósitos com minha produção audiovisual e não cheguei a esse ponto de apelar para o discursso corriqueiro em prol de grana e status. Não vou julgar os caras das favelas do Rio que se dispuseram a participar desse filme, cada qual com seu cada qual, mas é bom refletir onde tudo isso vai parar!

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Nossa, Daniel! Perdi a vontade de assistir o filme. Assim como nunca tive vontade de assistir Tropa de Elite.

    Essa é uma análise que poucos vão fazer ao assistí-lo. Infelizmente.

    Abraço.

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  3. Isso aee porrada na orelha, puta texto fodah, deixa eu respirar agora rsrs
    Daniel sempre Daniel.
    Te admiro cara. Quero assistir esse filme e tirar as minhas conclusões também.

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